terça-feira, 30 de agosto de 2011

Divindade delirante

Estaremos hoje às margens do reinado de uma tecnociência cada vez mais autônoma e surpreendente, que age como um deus?
 Por Jack London*
 Em 1939, na cidade de Buenos Aires, um homem a caminho da cegueira, numa velha máquina de escrever, falava com o século 21, através dos olhos que não queimam nem se apagam, os da sensibilidade e da imaginação: - Um dos hábitos mais retumbantes da mente humana é a invenção de imaginários espantosos. Inventou o Inferno, inventou a predestinação, imaginou as ideias platônicas, a quimera, as esfinges, os números transfinitos, as máscaras e os espelhos. Esta será mais uma: a vasta e única Biblioteca que conterá todos os livros do mundo, com o incessante risco de se transformarem em outros livros e, portanto, ao mesmo tempo negar e afirmar razões diferentes, e, ao negar e confundir, comportar-se como uma divindade delirante. Claro que me refiro a Jorge Luis Borges, o infindável. Na era clássica, vivemos tempos de divindades “a la carte”, em que cada experiência humana tinha seus próprios regentes – em alguns casos dezenas deles –, cada um cuidando do seu micromundo e balizando os gestos humanos. A Renascença, com a vitória definitiva da ideia do deus único, coloca em cena o homem e a razão, ao mesmo tempo em que põe em circulação o conceito do livre arbítrio e do homem como medida de todas as coisas. Estaremos hoje às margens de um novo reinado, desta vez de uma tecnociência cada vez mais autônoma e surpreendente, a ponto de, como diz Borges, agir como uma divindade delirante?
 Os capítulos de um novo evangelho parecem estar sendo escritos a cada dia.
1. A marcha das revoltas, uma nova forma de participação social e de culpas históricas. Tradicionalmente, revoltas eram creditadas na conta de causas econômicas, políticas, religiosas e raciais. Hoje, independente de suas causas, há um só responsável por qualquer estampido humano: a “maldita” internet, que deve ser sempre punida, seja no Egito, na China, no Reino Unido ou na esquina de sua casa.
2. Uma das mais tradicionais formas do comportamento humano, a solidão, acaba de mudar de endereço e forma. Classicamente, solidão era a condição dos humanos que viviam reclusos ou em ambientes sem convívio com outros humanos. Continue lendo...

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